Liga da Justiça



Experiência Desnecessária


Liga da Justiça (EUA, 2017) permite constatar o quão bem estruturada, porque paulatina, fora tecida a jornada dos personagens Marvel no cinema e o quão precoce e atabalhoado tem se mostrado o mesmo movimento implementado pela DC Comics. Explique-se: até culminar no lançamento de Os Vingadores (EUA, 2012), cada herói do longa-metragem (exceto pelo Gavião Arqueiro) teve suas origens devidamente narradas em filmes solos, o que autorizou o filme a dispensar apresentações de personagens que já estavam devidamente assimilados pelo público. Por óbvio, isso não quer dizer que todos os títulos produzidos pelos estúdios Marvel sejam de qualidade irreparável, contudo, inegavelmente, a individualização prévia dos heróis em suas respectivas produções denota um plano estratégico melhor elaborado e menos afobado que o da DC que em Liga da Justiça se vale de três heróis que não tiveram seus “nascimentos” contados de modo independente e que por isso ganham apenas breves menções sobre o porquê de terem sido reunidos por Bruce Wayne em um grupo de combate a uma ameaça alienígena. Neste contexto, impressiona o descompromisso da obra quanto a apresentação de um roteiro minimamente digno de nota, na medida em que, sobretudo, o desenvolvimento dos personagens é quase inexistente, o que provoca, por exemplo, a perda do charme da Mulher-Maravilha que surgira de forma arrebatadora em Batman vs Superman: A Origem da Justiça (EUA, 2016), fora moldada com elegância e bom humor em seu próprio filme e agora tem sua participação limitada a enfadonhas cenas de batalha e a um insosso affair com o homem-morcego que, por sua vez, deveria parecer cansado dos anos de luta contra o crime e incomodado pela morte do homem de aço, mas na prática soa apenas como alguém em crise de meia-idade, resultado esse garantido pela atuação no piloto automático de Ben Affleck, mal dirigido como todo o resto do elenco, aspecto esse em que, aliás, também salta aos olhos o irritante trabalho de Ezra Miller, escalado para na pele do Flash servir de alívio cômico a trama - tal como de maneira até um tanto já saturada costuma fazer a Marvel em suas obras - objetivo esse não conquistado em razão da falta de profundidade do personagem que não expõe uma faceta mais próxima da realidade nem quando visita o pai presidiário (ramificação da história essa que fica em aberto e sem explicações para quem não conhece em pormenores o herói). Semelhante falta de delineamento das gêneses se estende ao Cyborg - por certo, o personagem mais sombrio, interessante e desperdiçado do filme - e Aquaman vivificado em canastrice plena por Jason Momoa, cuja compleição física é aqui explorada de modo banal, distante, portanto do viés opressor e amedrontador que envolvia seu personagem Khal Drogo em Game of Thrones.
O baixo nível do roteiro também é evidenciado pela previsibilidade com que desenvolve as principais sequências de combate (sempre um dos heróis permanece de fora do confronto, surgindo já próximo ao fim, tal como a cavalaria, para salvar os colegas), bem como pelo formato genérico com que é composto o vilão, um ser que, pasmem, planeja dominar o mundo juntando três caixotes que foram separados e escondidos. Irrelevante, o antagonista não causa qualquer comoção, sendo esse, além da carência de personalidades buriladas das figuras retratadas, outro fator responsável pela falta de mérito de Liga da Justiça (e qualquer outra obra do filão). Não fosse o bastante, a inclusão do Super-Homem na trama demonstra imenso desrespeito perante uma plateia que fora convocada há cerca de um ano para assistir a morte do mesmo nos cinemas e meses depois se depara com o remorso de Bruce Wayne - um tanto incompatível com o que fora visto em Batman vs Superman - e, o que é pior, uma oportuna, bizarra e estapafúrdia ressurreição do herói, o que acusa, de um lado, a falta de zelo para com a lógica narrativa que caracteriza a busca desvairada pelo lucro e, de outro lado, a falta de freio de Zack Snyder¹  que insiste em pôr sua assinatura a todo instante na aventura seja por meio de frases de efeito espalhadas em diálogos constrangedores (culpa essa repartida com os demais roteiristas), seja por movimentos de câmera rebuscados que nada acrescentam a produção que, desta feita, se firma como um trabalho canastrão tal qual as intepretações de Aquaman, Superman e Batman. Personagens e filme que se merecem, portanto.
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1.  O trabalho de Zack Snyder, por motivos pessoais, fora finalizado por Joss Whedom, o qual, pelo visto, pouco teve o que fazer para impedir o desastre.

FICHA TÉCNICA

Direção:  Zack Snyder, Joss Whedon
Roteiro: Zack Snyder, Chris Terrio, Joss Whedon
Elenco: Amber Heard, Amy Adams, Ben Affleck, Billy Crudup, Ciarán Hinds, Connie Nielsen, Daniel Stisen, Diane Lane, Erin Eliza Blevins, Ezra Miller, Gal Gadot, Henry Cavill, J.K. Simmons, Jason Momoa, Jeremy Irons, Jesse Eisenberg, Joe Morton, Kiersey Clemons, Lisa Loven Kongsli, Michael McElhatton, Ray Fisher, Robin Wright, Samantha Jo
Produção: Charles Roven, Deborah Snyder, Geoff Johns, Jon Berg
Produção executiva: Chris Terrio, Curtis Kanemoto, Jim Rowe, Wesley Coller, Christopher Nolan
Fotografia: Fabian Wagner
Trilha Sonora: Danny Elfman
Montagem: David Brenner, Martin Walsh, Richard Pearson
Estreia: 16.11.2017 (Brasil)
Duração: 121 min.

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