Vermelho Russo





Arte e Metalinguagem


Em cena de Na Praia à Noite Sozinha (Coréia do Sul / Alemanha, 2017) uma mulher reclama que filmes baseados em experiências pessoais são entediantes, no que é repreendida por colegas de trabalho que afirmam ser mais importante a forma como a obra é feita do que seu tema. Vermelho Russo (Brasil / Portugal / Rússia, 2016), por certo, ilustra essa tese na medida em que retrata de maneira deveras curiosa e saborosa uma experiência de fato vivida por sua atriz principal, Martha Nowill, no que tange os percalços e frustrações proporcionados pela arte enquanto profissão, valendo-se, para tanto, de uma toada empenhada em borrar a fronteira entre ficção e realidade.
Dito isso, é inegável que a mescla do real com o forjado consiste em tarefa extremamente desafiadora para roteiristas e diretores já que um ponto fora da curva pode comprometer todo o projeto e seu resultado final, dada a probabilidade de a obra se tornar confusa e, por conseguinte, insatisfatória. Responsável pela direção e elaboração – em conjunto com Nowill – do roteiro de Vermelho Russo, Charly Braun tira de letra tais missões compondo uma obra de nuances biográficas que inclui até ele próprio na narrativa enquanto personagem.
Somente esse viés um tanto documental, um tanto metalinguístico já seria o bastante para tornar interessante o longa-metragem que, insatisfeito, vai ainda além (viva!) ao se debruçar sobre o método Stanislavski de atuação ensinado em plena Moscou, aqui lindamente filmada em sua geografia e arquitetura¹. Some-se a isso a análise também apresentada sobre uma relação de amizade das personagens principais marcada por conflitos, incertezas e também muito carinho e o que se tem é um produto extremamente cativante, daqueles que parecem cunhados por Noah Baumbach ou Alexander Payne. Ademais, a presença de Nowill, por seu turno, pode, sem exagero, ser compreendida como uma espécie de personificação nacional de uma Greta Gerwig ao modo Frances Ha² (EUA/2013) ou até da Lena Dunham do seriado Girls em versão mais amadurecida, comparações essas que, em última instância, exemplificam o quão diversificadas as produções cinematográficas brasileiras tem se tornado. Felizmente.
_____________________
1.  O passeio da câmera pelas paisagens russas soa apaixonado tal como Woody Allen uma vez já fizera em Paris (vide Meia Noite em Paris) e tantas outras em Nova Iorque (vide o clássico Manhattan).
2.   Leia mais sobre France Ha em http://setimacritica.blogspot.com.br/2013/11/frances-ha.html.

Ficha Técnica


Direção: Charly Braun

Roteiro: Charly Braun, Martha Nowill

Elenco: Elena Babenko, Esteban Feune de Colombi, Maria Manoella, Martha Nowill, Michel Melamed, Mikhail Troynik, Soraia Chaves

Produção: Charly Braun, Eliane Ferreira

Fotografia: Alexandre Samori

Montagem: Caroline Leone, Charly Braun

Estreia: 27/04/2017 (Brasil)

Duração: 90 min.

Comentários

LEIA TAMBÉM