Um Lugar Qualquer

A Delicadeza de Sofia Coppola

A faceta decadente que reveste o vazio da vida de membros do mainstrean é matéria um tanto quanto recorrente no cinema. Vindo da Europa, tem-se o exemplo de Fellini e seu A Doce Vida (La Dolce Vita, 1960), enquanto que, na América, Woody Allen discorreu sobre o tema em Memórias (Stardust Memmories, 1980). Eis que agora é Sofia Coppola quem se debruça sobre tal assunto através do delicado Um Lugar Qualquer (EUA, 2010).
Neste sentido, como de costume, a diretora adota um tom baixo, minimalista – em nítido contraste ao estilo pomposo das obras mais audaciosas de seu famoso pai – que se adequa com precisão a história do ator-celebridade que, não obstante as garantidas posses materiais e sexuais, é incapaz de encontrar qualquer significado para sua existência, crise existencial essa agravada pela solidão enfrentada pelo personagem.
Sim, a situação muda de cor nas ocasiões em que o protagonista convive e interage com a filha pré-adolescente; todavia, Um Lugar Qualquer não almeja ser um drama edificante no qual o ser retratado revê seu comportamento e muda para melhor após exposto a uma situação extraordinária, isso porque se, por um lado, o pai é obrigado a dar guarida para a filha por um tempo além do inicialmente previsto, seu caráter, por outro lado, não necessariamente muda em razão disso, daí o egoísmo acabar falando mais alto em determinados momentos-chave.
Essa obstinação do personagem principal para com seus desvios de conduta, vale dizer, não o torna desprezível aos olhos do público, uma vez que Sofia Coppola evita qualquer condução maniqueísta, mostrando, assim, que somos todos seres falíveis que, não raro, insistem em erros já reconhecidos.
Doravante seu protagonista seja um profissional da ficção, Coppola aplica sobre ele um olhar mais próximo possível ao da vida real - daí a câmera acompanhar as limitações do olho humano e entregar planos quase sempre estáticos e longos, mas de cortes certeiros. Desse modo, a cineasta mergulha o espectador na atmosfera tediosa e vazia em que transita o personagem sem perder tempo com cenas desnecessárias e óbvias que, via de regra, figuram na linguagem cinematográfica comercial/tradicional/melodramática.
Num extenso rol de elogios, o trabalho de Coppola merece, ainda, ser aplaudido quanto a inspirada condução do elenco, vide o belo desempenho extraído de Stephen Dorff, que encarna com louvor o papel de um homem cansado e carente, bem como a bem vinda descoberta da jovem Elle Fanning.
Por fim, além da relação distante entre pai e filha trazer uma óbvia centelha autobiográfica da diretora, é inegável, também, que as tiradas sarcásticas sobre o meio artístico são frutos de sua experiência, daí percebermos que é alguém com autoridade no assunto que sugere o quão patéticos podem ser eventos badalados como coletivas de imprensa e cerimônias de premiação. Eis, portanto, uma cineasta que tem o que dizer e que, apesar de não produzir em escala industrial, possui o mérito de manter um excelente padrão de qualidade em absolutamente todos os longas-metragens por ela dirigidos.  

COTAÇÃO: ۞۞۞۞

FICHA TÉCNICA
Título original: Somewhere.
Direção e Roteiro: Sofia Coppola.
Produção: G. Mac Brown, Roman Coppola e Sofia Coppola.
Fotografia: Harris Savides.
Edição: Sarah Flack.
Direção de arte: Andrea Rosso e Shane Valentino.
Figurino: Stacey Battat.
Música: Phoenix.
Estreia no Brasil: 28 de Janeiro de 2011
Duração: 98 min.

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