Viridiana / A Religiosa


Naturezas Corrompidas

A vocação religiosa talvez nunca tenha sido tão defenestrada quanto em Viridiana (Espanha, 1961), clássico do mestre Luis Buñuel. Em meio a ansiedade experimentada nos dias que precediam a celebração dos votos que lhe permitiriam a almejada entrada para o convento, a personagem-título vê seus sonhos ruírem após receber a falsa revelação de que teria sido violada durante o sono.
Acreditando em tal mentira, Viridiana reconhece-se impedida para a transformação em freira, o que, contudo, não lhe retira o desejo de prestar ajuda ao próximo, razão pela qual a mulher acolhe em sua casa um razoável número de desabrigados, num ato de assistencialismo que no futuro se volta contra a mesma quando acaba sendo abusada por aqueles mesmos a quem ajudara antes.
Desiludida com o homem e com a própria crença em Deus, Viridiana se entrega ao pecado quando cansada de lutar contra a natureza amarga dos que lhe cercam cede às súplicas carnais de um primo que a insere num subentendido ménage-a-trois.
Se Viridiana aguardava a vida cristã, a personagem Suzanne do filme A Religiosa (França, 1966) - adaptação da obra do iluminista Denis Diderot comandada por Jacques Rivette -, por outro lado, não cansa de assumir sua total falta de vocação para com o ofício de uma freira – não obstante sua inabalável fé no Pai.
Desprovida do direito de escolha em razão de sua origem bastarda, Suzanne é literalmente trancafiada em conventos nos quais é submetida a torturas físicas e psicológicas, além de investidas sexuais por parte de madres superiores.
Quando através da fuga obtém a rogada liberdade, Suzanne percebe que a colaboração recebida por parte de um padre não era gratuita, mas também fundada em pretensões nada celibatárias. Determinada a manter-se livre, a protagonista escapa mais uma vez, ficando nas ruas a mercê de aliciadores que a encaminham para a prostituição. Resignada com a falta de opções para sua sobrevivência, Suzanne finalmente entrega os pontos, mas não sem antes clamar para que sua suposta fraqueza fosse devidamente perdoada por Deus.
Respectivamente obras do cinema surrealista e da Nouvelle Vague, Viridiana e A Religiosa tecem, como visto, profundas críticas contra posturas e dogmas da Igreja católica, motivo pelo qual ambas as produções foram alvo de censura em países à época geridos por governos ditatoriais como, por exemplo, Espanha e Brasil.
Neste sentido, apesar da inconteste polêmica envolvendo os questionamentos religiosos levantados, o alcance dos dois trabalhos vai além da desmistificação cristã ao retratarem com imensurável riqueza de detalhes a crueldade que marcara as tão desgraçadas trajetórias de suas protagonistas, revelando, desta feita, uma denúncia maior contra o poder, a capacidade que o meio, a sociedade tem de corromper a natureza humana em sua individualidade, temática essa que, por conta de sua universalidade e atemporalidade, justifica o frescor e vitalidade ainda gozados pelos dois longas-metragens.

COTAÇÕES:

Viridiana - ☼☼☼☼             

A Religiosa - ☼☼☼☼


Ficha Técnica – Viridiana
Direção: Luis Buñuel
Produção: Gustavo Alatriste
Elenco: Luis Heredia (mendigo)María Isbert (mendiga)Lola Gaos (mendiga)Joaquín Roa (mendigo)Teresa Rabal (Rita)Victoria Zinny (Lucia)José Manuel Martín (mendigo)Margarita Lozano (Ramona)José Calvo (mendigo)Fernando Rey (Don Jaime)Francisco Rabal (Jorge)Silvia Pinal (Viridiana)
Duração: 90 minutos

Ficha Técnica – A Religiosa
Titulo Original: La religieuse
Direção: Jacques Rivette
Roteiro: Jean Gruault, Jacques Rivette
Elenco: Anna Karina, Liselotte Pulver, Micheline Presle, Francine Bergé, Francisco Rabal, Gilette Barbier, Annik Morice, Jean Martin, Marc Eyraud, Charles Millot
Duração: 135 minutos

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