O Grande Ditador

O Grande Artista

Charlie Chaplin, ainda nos anos 20, além de ver suas interpretações serem rotineiramente comparadas com as do comediante francês Max Linder – artista por quem o primeiro assumia, sem qualquer pudor, ter sido influenciado – enfrentava a boçalidade da crítica, leia-se elite, vigente, eis que para tal grupo a comédia visual não passava de entretenimento barato que jamais poderia ser encarada como expressão artística.
Determinado a mostrar o valor de sua obra, Chaplin – inspirado pelo relacionamento nutrido com Peggy Hopkins Joyce – roteirizou e dirigiu o drama Casamento ou Luxo (A Woman of Paris- EUA, 1923), filme no qual sua participação como ator não passara de uma rápida aparição.
Apesar de não haver conquistado nas bilheterias o mesmo êxito obtido pelos trabalhos cômicos anteriores, o longa-metragem recebeu, em conformidade com o que Chaplin almejava, comentários elogiosos e, principalmente, desprovidos de preconceito, comprovando, assim, a versatilidade do diretor, qualidade essa que ao longo do tempo fora ratificada a cada novo trabalho, através de geniais fusões de comédia, drama e, sobretudo, crítica social.
Não obstante a importância da produção supracitada, por certo o trabalho responsável por elevar à enésima potência as qualidades e importância artísticas de Chaplin fora O Grande Ditador (EUA, 1940), obra na qual o humor servira de instrumento de reflexão e de repúdio a política internacional, bem como a II Guerra Mundial e ao anti-semitismo.
Como sabido, no filme Chaplin interpreta dois personagens: Adenoyd Hynkel, o fuhrer da Tomânia, além de um barbeiro judeu deveras parecido com aquele primeiro. Neste sentido, os letreiros iniciais preparam o espectador para o que virá pela frente ao avisar que as semelhanças entre o ditador (nazista) e o judeu não passariam de mera coincidência, opção essa que, tal qual o conjunto do filme, visa, acima de tudo, tripudiar e ridicularizar Adolf Hitler que, por certo, não deve ter ficado nada feliz, enquanto membro de uma raça ariana, em ser comparado a um judeu.
Para Chaplin, contudo, a igualdade entre os homens não deveria ser lembrada apenas para aplacar as divergências entre nazistas e judeus, mas sim ser defendida como um direito e uma garantia fundamental a todos os povos ou como fala o barbeiro judeu no emocionante discurso que encerra o filme: “Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades”.
Ao passo que o italiano Roberto Benigni teve seu A Vida é Bela (La Vita è Bella, Itália, 1997) criticado, com justiça, por romantizar ao extremo os infortúnios do holocausto, Chaplin jamais pudera ser acusado do mesmo mal, eis que as agruras da guerra não são por ele amenizadas em momento algum, sendo o riso, como já dito, utilizado para tripudiar o nazifascismo e seus líderes Adolf Hitler/Adenoid Hynkel e Benito Mussolini que na versão cinematográfica do cineasta é batizado como Benzini Napaloni.
Dentro deste contexto, a tradicional piada com comida é utilizada de modo metafórico numa guerra de espaguete entre os ditadores que demonstrara não só a empáfia de ambos como também a sensação de superioridade de um sobre o outro - o que, inclusive, enfraqueceria a aliança nazifascista, afinal, o mundo não poderia ter dois, mas sim um único dono.
Satirizando desde a forma de oratória de Hitler até as fracassadas tentativas de assinatura do pacto de não invasão da União Soviética, Charlie Chaplin – graças ao fato de naquele período já haver alcançado a independência financeira necessária a realização de seus projetos, possuindo, neste passo, seu próprio estúdio bem como sua própria distribuidora, a United Artists¹ - pôde realizar um trabalho deveras ousado – ainda mais quando se leva em conta que à época os Estados Unidos tentavam manter uma posição de neutralidade perante a II Guerra – que, por óbvio, levantou contra ele especulações por parte do governo alemão acerca de uma suposta ascendência judaica do artista², gerando, assim, uma controvérsia que, tamanha sua inutilidade, jamais fora contestada ou negada por Chaplin.
Através de O Grande Ditador, o cineasta se firmou não só como artista mas também como homem politizado, demonstrando, em primeiro lugar, o quão errôneas eram as afirmações daqueles que na década de 20 o rotulavam como um palhaço vulgar e, em segundo lugar, o fato de não ser um diretor acomodado com o sucesso, mas sim engajado em métodos de produção voltados a, através do humor, levar adiante as mensagens libertárias tão necessárias para o momento.
A dura resistência de Chaplin contra os ideais nazistas não significava, entretanto, uma irrestrita defesa do mesmo para com o método de produção capitalista característico dos países aliados, pois para o eterno Carlitos o que importava mesmo não era a filiação política e sim o respeito a vida humana.
Por isso, já em 1947, isto é, nos primeiros anos da Guerra Fria, Charlie Chaplin lançou o filme de humor negro Monsieur Verdoux cuja polêmica gerada fora imensa por conta de um protagonista assassino em série que ao ser julgado alega em defesa que, apesar do homicídio enquanto ato praticado de forma isolada ser uma conduta ilícita, os assassinatos justificados pela guerra eram enaltecidos pelo Estado e pelo povo, ou conforme as palavras do personagem: “Um assassinato transforma uma pessoa em vilã, milhões a transformam em herói. Os números santificam”.
Por óbvio tal posicionamento serviu para taxar Chaplin, em definitivo, como esquerdista, motivo pelo qual o artista passou a ser fortemente perseguido pela caça às bruxas da era macarthista, sendo seu nome, inclusive, mencionado na chamada Lista Negra de Hollywood, o que culminaria na revogação de seu visto de permanência nos Estados Unidos.
Mas esse já é um outro capítulo da vida do grande Charles Chaplin...

1.     Juntamente com Mary Pickford, Douglas Fairbanks e D. W. Griffith, Chaplin co-fundou a United Artists em 1919.
2.     Não há documentos comprobatórios da ascendência judaica de Chaplin. Embora tenha sido batizado na Igreja da Inglaterra, Chaplin assumiu-se como agnóstico durante a maior parte da vida (Fonte: The Religious Affiliation of Charlie Chaplin. Adherents.com - 2005).
3.     “Chaplin morreu dormindo aos 88 anos de idade em conseqüência de um derrame cerebral, no Dia de Natal de 1977 na Suíça (...). No dia 01.03.1978 seu corpo foi roubado da sepultura por um pequeno grupo de mecânicos suíços, na tentativa de extorquir dinheiro de sua família. O plano falhou, os ladrões foram capturados e condenados, o corpo foi recuperado onze semanas depois” (FONTE: http://pt.wikipedia.org/wiki/Charlie_Chaplin)

COTAÇÃO - ☼☼☼☼☼ 

Ficha Técnica:
Título Original: The Great Dictator
Direção e Roteiro: Charles Chaplin
Elenco: Carter DeHaven (Bacterian ambassador) Paulette Goddard (Hannah)Jack Oakie (Benzini Napaloni)Reginald Gardiner (Commander Schultz)Henry Daniell (Garbitsch)Charles Chaplin (Adenoid Hynkel/Jewish Barber) Paul Weigel (Mr. Agar)Bernard Gorcey (Mr. Mann)Emma Dunn (Mrs. Jaeckel)Billy Gilbert (Field Marshal Herring)Grace Hayle (Madame Napaloni)Maurice Moscovitch (Mr. Jaeckel)
Duração: 124 minutos

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